A economia não é só para economistas

Por: 28/06/2007 06:06:44 - Valor Econômico

Tim Harford: “Para obter preço mais em conta é preciso ser bom observador, às vezes aceitar um produto que é escondido ou produzido para parecer feio”Tim Harford Record, 335 páginas, R$ 44


Se você é um daqueles que considera a economia fundamental para a tomada de decisões em sua vida pessoal e profissional, mas anda meio cansado de temas como balanço de pagamentos, agregados monetários ou depósitos compulsórios, “O Economista Clandestino”, livro que Tim Harford acaba de lançar no Brasil, pode ser uma alternativa agradável. Neste título, o autor aplica as teorias econômicas ao dia-a-dia – como no momento em que explica a política de preços dos cafés da Starbucks ou o valor das ações da Microsoft -, mas o leitor quase não percebe.


É este mundo real que interessa a este escritor, que raramente recorre a jargões ou gráficos econômicos para compor suas explicações, feitas, na verdade, por meio de ricas narrativas. Boa parte dessa competência de ver o familiar com um olhar incomum, Harford adquiriu em sua coluna “Caro, Economista”, do “Financial Times”.


De maneira bem-humorada e irônica ele responde a perguntas sobre dilemas pessoais de seus leitores do “FT”. Muitos leitores. Os comentários partem de conceitos favoráveis ao livre-mercado, mas sem que ele seja um apologista do capitalismo selvagem. Harford é quase um heterodoxo, que revela de maneira simples como o livre-mercado afeta você. Fala, por exemplo, que devemos comprar ações como escolhemos a menor fila no supermercado. Leia, a seguir, trechos de entrevista concedida ao Valor.


Valor:Caro economista, como devemos investir na Bolsa?


Tim Harford: Você deve pensar em escolher uma ação na Bolsa de Valores da mesma forma que você escolhe a menor fila no caixa de um supermercado. Algumas filas podem parecer mais rápidas, mas se fosse realmente óbvio que elas são mais ágeis, as outras pessoas já teriam se mudado rapidamente para se posicionar naquela fila. A menos que você acredite que tem conhecimento extraordinário sobre filas de supermercado, você deve apenas entrar na fila e não se preocupar. Com as ações, a situação é melhor: você pode entrar em todas as filas ao mesmo tempo ao comprar fundos referenciados, que tentam bater a performance do mercado de ações e cobram taxas pequenas. A menos que você considere que sabe mais sobre a Bolsa do que a maioria dos investidores, essa é uma boa estratégia. E por que você deveria pensar que sabe mais do que os outros? Certamente eu não acho.


Valor:Então é possível ganhar dinheiro no mercado de ações sendo um leigo. Ele não funciona apenas para os espertalhões?


Harford: Do ponto de vista do investidor, o mercado de ações é como um cassino. Se você joga diferentes tipos de jogos com pequenas apostas, irá bem no longo prazo. Se se torna ganancioso e acreditar que tem um insight especial onde a bola da roleta vai cair, então você deve jogar muito e vai perder muitíssimo. A ilusão da expertise é perigosa. Mas se nós formos humildes em relação às nossas habilidades, nós não devemos ter tanto medo da Bolsa de Valores.


Valor:O economista clandestino acredita na mão invisível?


Harford: Quando os economistas falam acerca da mão invisível eles se referem à idéia de que o livre mercado transforma motivos egoístas em ganhos sociais. Eu quero uma boa xícara de café e o mercado me proporciona isso. Não por que a rede de café ou o plantador de café me ama, mas por que eles sabem que ao ir ao encontro dos meus desejos eles vão ganhar dinheiro. A questão é quão bem o mercado funciona. E eu digo, de forma surpreendentemente efetiva. Pense, por exemplo, na complexidade do cappuccino, a forma como incontáveis mentes e mãos se combinam para providenciar um produto para mim, do barista à pessoa que tirou o leite da vaca. Ainda assim há problemas com o mercado, como poluição, congestionamento, desigualdade.


Valor:O sr. se preocupa com o aumento dos débitos para alavancar transações financeiras?


Harford: Não estou preocupado com a alavancagem em si. Isso é o que a maioria das pessoas faz quando compra uma casa: elas fazem uma hipoteca. Se compram uma casa de US$ 100 mil com uma hipoteca de US$ 90 mil e US$ 10 mil à vista, e a casa passe a valer US$ 110 mil, dobrou-se o montante investido. Se a casa se desvaloriza, chegando a US$ 90 mil, perde-se todo o seu investimento. Mas muitas pessoas entendem que isso é um risco natural dessa operação.


Valor:E com relação aos fundos hedge e os fundos de private equity?


Harford: Nesses dois casos, estou mais preocupado por que avalio que há incentivo para o jogo: se eles ganham, pegam uma boa fatia dos ganhos. Se perdem, o dinheiro do cliente é que é perdido, não o deles. Mas isso é uma decisão dos clientes. Eles devem ser espertos e se assegurarem de que seus parceiros no fundo também têm dinheiro próprio a riso também.


Valor:O sr. prevê uma bolha, uma vez que vivemos um raro momento de excesso de liquidez?


Harford: Previ o colapso das pontocom em 2000. Infelizmente também previ o colapso do mercado imobiliário no Reino Unido, meu país, mas ela não ocorreu. Ou seja, seja muito cauteloso com as previsões de especialistas que o digam apenas suas previsões vitoriosas e não mencionem as falhas. De maneira geral, é difícil para um economista fazer boas previsões pela mesma razão que a previsão do tempo não é muito acurada: o mundo é muito mais complexo. Não devemos olhar para um economista para fazer previsões, mas para comprar cafés baratos.


Valor:Como se deve comprar um cappuccino mais barato?


Harford: Até mesmo numa cadeia multinacional de café como a Starbucks, você pode encontrar um cappuccino mais barato se for um observador atento. Na Starbucks descobri que ao pedir um cappuccino pequeno em qualquer lugar do mundo, de Nova York a Xangai, posso ter um “special”. O segredo é que se trata de uma bebida mais barata do que qualquer outra do menu da Starbucks, além de ter um tamanho menor, por isso tem um sabor melhor. A Starbucks não anuncia isso por que ela prefere que o cliente peça um café maior, por que é um produto mais lucrativo. Mas eles oferecem esse negócio mais barato para aqueles que demandam por ele. Na verdade, há um princípio por trás disso. Todo varejista vai tentar cobrar preços diferentes para pessoas diferentes: um preço maior para aqueles que estão dispostos a pagá-lo e um preço menor para os que não aceitam pagar mais. Para obter um preço mais em conta é preciso ser um bom observador, às vezes até aceitar um produto que é deliberadamente escondido ou produzido para parecer feio. Os produtos mais em conta no supermercado do meu bairro são embrulhados de forma que pareçam qualquer coisa para forrar o estômago, não apenas por que o supermercado não tem dinheiro para pagar um designer, mas por que os donos querem que os itens tenham aparência mais empobrecida com a esperança de que mais clientes comprarão algo mais caro e mais lucrativo para eles.


Valor:Se considerarmos a tese de que a economia vive ciclos de expansão e retração e que o mercado financeiro é intrinsecamente instável, como os efeitos colaterais desse sistema podem ser minimizados?


Harford: Mais especuladores ajudariam. Um especulador bem-sucedido ganha dinheiro se ele compra na baixa e vende na alta. Ao comprar na baixa significa que que a queda vai ser menos severa, ao vender na alta refreia o boom. Por conseguinte, se o especulador ganha dinheiro ele estabiliza a economia. Claro que os bancos centrais devem fazer isso também.


Valor:A relação entre as duas grandes economias do momento, China e EUA, são de dependência mútua. O sr. não vê possibilidades de algum desfecho desfavorável?


Harford: Claro que sempre há riscos, mas eu prefiro que haja dependência mútua entre EUA e China do que não. Eles devem ficar menos inclinados a conflitos quando suas economias são inter-relacionadas. E como os seres humanos nunca vão parar de ser egoístas e agressivos, eu prefiro transformar pessoas agressivas e egoístas em homens de negócio do que em soldados.
 

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