História do Café: `Gatos´ sustentam escravidão na selva

Por: O Nortão Jornal







Peões fazem
derrubadas em fazendas na floresta amazônica. Alguns são mortos, outros não
voltam.


selocp8.jpgMONTEZUMA CRUZ


montezuma@agenciaamazonia.com.br 
 


BRASÍLIA — Venham
colonizar a região mais promissora de Mato Grosso —
dizia um anúncio
publicado na imprensa em Cuiabá. Atraídos , os peões protagonizaram a
grande corrida rumo a uma frustrada conquista do emprego rural. Iam abraçar a
escravidão e enfrentar cárceres privados. Jovens que abriam picadas e derrubavam
árvores foram igualmente explorados em 1977.

 
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Padre Ângelo Spadari (no recorte de jornal)
culpava fazendeiros sulistas pela escravidão/MONTEZUMA CRUZ
No ano da CPI da Terra, esta foi uma das piores feridas
sociais nos estados amazônicos. Prolongou-se até 1980, tempo em que surgiram
novas cidades e o Território Federal de Rondônia se transformaria em Estado. De sul a norte, o
Brasil tinha 4,5 milhões de crianças na agricultura.
Embora proibida por lei, a
utilização de crianças em derrubadas promovidas por cooperativas fantasmas e
colonizadoras sem registro no Incra era vista com naturalidade. As secretarias
de promoção social identificavam jovens e adultos e lhes fornecia passagens de
ônibus. Só a partir da década de 80 os grupos de fiscalização móvel das
delegacias regionais do Ministério do Trabalho começaram a fazer as primeiras
inspeções em fazendas e a combater ao trabalho
escravo.
Muitos gatos
foram responsáveis pela abertura de clareiras na floresta e pelas primeiras
colheitas de café na Pré-Amazônia. Em algumas surgiram cidades. Jeito simples,
franco na conversa, Odário Américo Garcia, 33 anos, um gato que
trabalhou na região de Alta Floresta em 1977, manipulava altas somas em dinheiro. Por semana,
movimentava de 80 mil a 100 mil cruzeiros para transportar peões geralmente
recrutados nas estações rodoviárias de Campo Grande, Cuiabá, Cáceres, Jauru,
Vilhena e Ji-Paraná.
Para desmatar com rapidez,
Odário mandava buscar peões no Paraná. A maioria chegava de ônibus, com
passagens pagas. Os contratados num raio de 200 quilômetros das
derrubadas viajavam em cima de caminhões e caminhonetes. “Não tenho problema
aqui, sempre tem gente querendo trabalhar”, dizia o
gato.
Corpos enrolados na
rede
           
O drama desse
intermediário era encontrar a melhor mão-de-obra. Muitos Odários atuavam nos
pontos estratégicos da colonização, em Mato Grosso e Rondônia. Adiantavam mil, dois mil
cruzeiros aos peões e garantiam o embarque. As levas de trabalhadores
partiam com algum
dinheiro no bolso, mas,
na maioria das vezes voltava de mãos abanando, cansada e
doente.

 
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Levados para os confins da floresta
amazônica, peões são explorados /MONTEZUMA CRUZ
As glebas do nortão mato-grossense absorviam
empregados sem carteira profissional. Aqueles que se embrenhavam na
selva, deixavam por longo tempo as famílias sem notícias. Foi assim com um grupo
de dez jovens do Bairro Cruzinha, em Cuiabá, recrutados para trabalhar numa
cooperativa fantasma da região do Roosevelt, entre Mato Grosso e Rondônia. Três
morreram e um foi internado no Hospital Santa Mônica, em
Ji-Paraná.
Trabalhavam doentes,
passavam fome e não sabiam conversar com os índios Cintas-largas, cuja reserva
ficava perto da frente de abertura de picadas. “Embrulharam três companheiros
nossos em redes e jogaram eles num buraco perto do rio”, contava Mamedes Pereira
Leite, 17 anos, um dos rapazes, conseguiu fugir. “Contaram pra nós que
eles morreram afogados, mas eu duvido”, queixou-se.
A versão não colou. Em
Cuiabá, as mães disseram que os filhos sabiam nadar, “e bem”. No depoimento
prestado ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e na Delegacia de
Polícia do Bairro do Porto, em Cuiabá, disse que foram contratados por Mozart
Machado Fortuna e João Milena, de Cuiabá e Várzea Grande. Ambos não comprovaram
à polícia a idoneidade da empresa.
Constatada a morte dos
três jovens, sem explicações convincentes, o tenente reformado do Exército Lúcio
Sigarini, pai de Avelino Epifânio Sigarini, 17 anos – atacado pela malária –
liderou um movimento para cobrar a volta dos que ainda se encontravam no
Roosevelt e no Aripuanã. Eles voltavam, combalidos. Além de espancados dia e
noite, sofriam quando atacados pela malária.
IsolamentoO vendedor de lotes da
Indeco em Cuiabá, Amaro Benetty, queixava-se de que “não havia gente cem por
cento”. Classificava de lerdos os peões mato-grossenses, aos quais
também defendia: “São honestos”. Eles vinham de Acorizal, Alto Paraguai e
Poconé. E defendia medidas severas para evitar a fuga dos trabalhadores: “O
jeito é levar essa gente para lugares onde não existe estrada; se o
peão ruim achar um trilhozinho, abandona tudo e foge com o que tem no
bolso”.
Gatos e patrões só tinham
controle sobre os peões quando os mantinham distantes de tudo e
completamente isolados. As histórias de Benetty povoavam o mundo rural e
selvagem daquele período.

 
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Derrubada era o serviço mais comum em Mato
Grosso e Rondônia no final dos anos 70/MONTEZUMA CRUZ
Nos botecos da velha e acanhada rodoviária de Cuiabá, na
rua Miranda Reis, ouviam-se diariamente relatos sobre a fama de cada lugar. O
palco do acerto de serviço e das contratações (verbais) eram pequenos hotéis e
pensões nas adjacências, onde os peões se
hospedavam.
De que maneira reconhecer
um peão preguiçoso? Ele ria: “Quando algum ficava doente a gente sabe
logo, mas alguns se dizem abatidos e a solução é fazer eles beberem um remédio
(não disse a fórmula) que dá a maior dor de barriga; acaba a doença inventada, e
ninguém mais fica doente”.
Benetty contou ao repórter
que já fazia isso antes de chegar a Mato Grosso. “Funciona”,
gabava-se.
Padre acha os
culpados
No início de 1980, aos 75
anos, o padre salesiano Ângelo Spadari, de Vilhena, culpava os fazendeiros
procedentes do sul do País. “Foram eles que começaram esse regime de
escravidão”, dizia. O padre testemunhava a entrada de trabalhadores em fazendas
e das quais nem todos retornavam. “Chegam uns 200 aí na rodoviária, andam pela
cidade e vão para as derrubadas e formação de pastos; voltam só uns 40 ou
50”,
dizia.
O posto da Secretaria de
Promoção Social do Governo de Rondônia registrava situações angustiantes entre
os que escapavam do cativeiro das derrubadas no Aripuanã e no Roosevelt:
peões sem dinheiro corriam em busca da passagem de ônibus para Cuiabá.
Antes, porém, trabalhavam para uma indústria madeireira de Vilhena.



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Autor:
MONTEZUMA CRUZ
Fonte: www.agenciaamazonia.com.br

 

Fonte:
O Nortão

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