ARTIGO – Afinal: Blend ou Origem Única (Single Origin)?

Por: Re-Publicado do site Café Point






 






Ensei Uejo Neto
Consultor de Qualidade, Marketing e Estratégias para Cafés Especiais através do Specialty Coffees Bureau.



Você provavelmente já deve ter experimentado o coquetel “Dry Martini”, certamente o mais famoso, “classudo” e pedido em todo o mundo, inclusive em inesquecíveis filmes como “Casablanca” e alguns do agente britânico 007 quando encarnado pelo fantástico sir Sean Connery.

Este short drink, que já mereceu livro sobre sua trajetória, foi genialmente criado pelo barman John Martini, que trabalhava no bar do Hotel Knickerbocker, New York, para atender um pedido do magnata John Rockefeller, que queria algo simples, mas perfeito.

Assim é o “Dry Martini”: uma dose de Gin, que é um destilado elaborado a partir de cereais com bagas de zimbro maceradas para conferir um característico amargor de fundo, gotas de Vermouth Branco Seco, que é o vinho fortificado e aromatizado com ervas e especiarias, servido numa taça gelada decorada com fina casca de limão e adicionado de uma azeitona verde. Detalhe: apenas mexido, sem ser agitado!

O resultado é muito interessante: o Gin possui um elevado teor alcoólico e carrega o delicado perfume do zimbro, que permanece na bebida. O Vermouth, mesmo em tão pequena participação, confere um interessante sabor frutado, reforçado pelo aroma cítrico da casca do limão. E ao morder a azeitona, entre um gole e outro, o seu sabor salgado interage com a acidez e com o leve amargor do zimbro, entrecortados por uma elegante sensação de secura. É uma viagem!

Percebemos, então, como a interação de sabores tão distintos e de diferentes classes torna o ato de beber tão agradável.

E assim deve ser com o café.

Duas são as classes dos cafés em função de seus sabores: existem aqueles que são Unidirecionais e os que são Complexos.

Observe abaixo a chamada Roda de Aromas e Sabores estruturada pela SCAA – Specialty Coffee Association of America (Associação Americana de Cafés Especiais), cuja figura da direita apresenta os principais aromas e sabores encontráveis em um café.

Figura 1: Roda de Aromas e Sabores



Há uma parte expandida, onde podem ser vistas notas aromáticas em detalhe. Existem três grupos principais: os de natureza Enzimática, que são as notas mais voláteis, os oriundos da Caramelização dos Açúcares e os de natureza pirolítica ou resultantes da Destilação Seca, que são os menos voláteis.

Unidirecionais são cafés cujos sabores fazem parte, digamos, de um mesmo agrupamento. Observe que notas aromáticas de Amêndoas, Caramelo e Chocolate estão no grupo denominado Caramelização dos Açúcares, apesar de pertencerem a diferentes sub-grupos. Sutilezas à parte, estes aromas e sabores, caso estiverem presentes num café, conferem a ele características “unidirecionais” porque, afinal, têm muita similaridade entre si.

Quando surgem notas de outros grupos, por exemplo um do sub-grupo Floral do Grupo Enzimáticos como o Jasmim, que é muito semelhante ao aroma da Flor do Café, e até combinado com outro do sub-grupo das Especiarias do Grupo Destilação Seca como o Cravo, um dado café ganha contornos de maior complexidade.

Como já abordado anteriormente, há uma influência direta das condições geográficas e de processo na bebida resultante do café. É justamente a combinação desses diversos elementos que cria uma infinidade de aromas e sabores!

Para ter uma resposta ao que é melhor, se um “Blend” ou se “Origem Única”, é necessário ter um outro tipo de visão.

Cada mercado possui características próprias, de forma que o perfil de consumo de país exclusivamente consumidor, como os europeus, é diferente de um país que também é produtor. Geralmente o perfil de consumo de um país produtor de café caracteriza-se pela oferta de cafés de baixa qualidade por dois prosaicos motivos: em geral os países produtores de café são pobres e a facilidade de obtenção de diferentes tipos de matéria-prima pela sua indústria é muito grande. Daí o sentimento comum de que “o melhor café é exportado”, ficando o restante para o mercado interno. Neste ponto, o Brasil possui uma posição única: é o maior produtor mundial de café e caminha para em breve ser, também, o maior mercado consumidor.

Por outro lado, o que move a indústria do café é a possibilidade de sempre se oferecer um produto diferente do outro através da combinação dos sabores. Há uma justificativa científica para isso: ao menos 75% da população humana consegue perceber corretamente os diferentes aromas e sabores, com base na média do número de papilas gustativas da língua e dos sensores olfativos que ficam no nariz.

Outro elemento que tem alta relevância é o fato de que é possível se estabelecer a fidelidade do cliente em função da sensação de prazer que um conjunto de aromas e sabores pode proporcionar. Portanto, a estabilidade do produto, ou seja, que o seu aroma e sabor não varie ao longo do tempo, independentemente da entrada de novas safras, é que permite que o vínculo de afeto produto-consumidor aconteça. Uma indústria que possua alta escala e que, por isso mesmo, tem no grande varejo seu principal sistema de escoamento de produto, usualmente opta por estabelecer padrões de matéria-prima que sempre estejam ao seu alcance. No caso das indústrias do exterior, há uma lógica diferente da corrente no Brasil, pois elas têm a oportunidade de escolher cafés de diferentes origens mundiais.

Um bom “Blend” deve começar por um bom Café de Base, ou seja, aquele que será utilizado em maior escala e que, devido à sua estrutura sensorial, permite ressaltar características dos cafés de outras origens. A ele normalmente é combinado uma origem que servirá para ajustar a acidez final da bebida e uma outra que dará, digamos, o toque final de aroma e sabor que distinguirá esse novo “blend” de outros. O café brasileiro, devido à sua característica geral neutra, principalmente no caso de qualidade mediana, com baixa acidez inclusive, é o café mais empregado como essa “base”. Lembre-se: grandes carros possuem excelentes chassis, e essa regra se repete na indústria do café. O café da Colômbia ou do Kenya são os mais empregados para o ajuste de acidez. Os cafés da América Central e africanos como os da Ethiopia são cafés para o toque de finalização.

Observe, no caso da grande indústria, as “Origens Únicas” são os países com suas qualidades médias, transmitindo suas principais características aos “blends”.

Conforme o mercado se sofistica, incluindo-se aí o refinamento da qualidade dos cafés, isto é, empregando-se cafés de altíssima qualidade, as notas aromáticas e de sabor acabam sendo muito mais pronunciadas na xícara.
Por esta razão, é no segmento dos cafés especiais que as “Origens Únicas” de micro-regiões ou de fazendas ganham grande luz. Estes cafés, em razão de uma rara combinação de fatores, podem ser como pedras preciosas, disputadíssimos porque são raros, muitas vezes únicos. E, portanto, acabam se constituindo em “Série Limitada”. Em geral são cafés de grande complexidade em suas notas de sabor e aroma e que, portanto, possibilitam inesquecíveis sensações quando experimentados. Neste caso, a Origem Única “funcionou” muito bem!

No entanto, a indústria de cafés especiais também trabalha com “blends”, porém de riquíssima complexidade pois são empregados lotes de excelente qualidade. Mas, da mesma forma, os Mestres de Torra são atentos à possibilidade de um fornecimento constante e consistente, seja na qualidade, seja na quantidade. Existem diversos exemplos de maravilhosos “blends”, que cativam pela experiência sensorial que provocam todas as vezes que são saboreados. É interessante observar que em algumas marcas consagradas, há uma expectativa por parte do consumidor de buscar um sabor específico ou um aroma que nos cativou. É quando se diz que o “blend funcionou muito bem.”

A possibilidade de se criar composições sempre diferentes é praticamente inesgotável e é este o principal elemento de diferenciação entre as torrefações.

Pelo lado do produtor, o sentimento predominante é o de que o seu café é simplesmente… o melhor que existe. É algo paterno, que faz com que se compreenda a natural resistência em querer que seu café venha fazer parte de um “blend”. Lotes de café excepcionais são como filhos brilhantes, que terão sucesso e caminharão sozinhos. Mas, entre tantos outros filhos de outros, também são raridades.

Assim, a compreensão de que cafés de altíssima qualidade podem fazer parte de grandes “blends”, gerando a possibilidade de haver continuidade consistente, gera estímulo suficiente para continuar a paixão em produzir também as raridades. Mas deve ficar, por outro lado, o sentimento de que mesmo cafés de boa qualidade também são muito apreciados e procurados pelas torrefações para formar “blends” de uma faixa mais competitiva do mercado.

Portanto, para a indústria, o “Blend” é fundamental, porém existem casos em que a “Origem Única” pode ser uma excelente opção.

E um último recado: vejo muitos produtores que guardam para o seu consumo o que de pior foi produzido, até o chamado resíduo de preparo de café. Deixe um pouco do seu melhor lote para você, torrando-o com esmero e para, naturalmente, orgulhosamente oferecer aos amigos. É um prêmio para si e a demonstração de que um excelente café pode ser apreciado em sua origem…

Mais Notícias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.