Economia: Uma pausa para o café

Por Gustavo Capdevila, da IPS



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Nestor Osorio Genebra, 14/04/2009 – O outrora presidente costarriquenho Rodrigo Carazo (1978-1982) argumentava que, em caso de recessão mundial, economias como a de seu país, apoiadas em exportações que classificava como “sobremesas” (banana e café), sofreriam os maiores embates, pois esses produtos são os primeiros a serem deixados de consumir pela população quando esta está com pouco dinheiro. A crise econômica chegou e com uma intensidade que talvez o próprio Carazo não suspeitasse. Porém, o café mostra um desempenho singular e se mantém como um dos produtos básicos menos afetados nos mercados internacionais.


Este setor enfrenta a conjuntura baseado em alguns fundamentos favoráveis, disse à IPS o diretor-executivo da Organização Internacional do café (OIC), o colombiano Nestor Osorio. O consumo mundial tem sido muito dinâmico nos últimos anos, com crescimento anual médio entre 2% e 2,5%, equivalente a cerca de dois milhões de sacas extras a cada ano. Inclusive, também aumenta o consumo nos países produtores, uma tendência estimulada desde a OIC, entidade intergovernamental com sede em Londres que reúne Estados produtores e consumidores.


A primeira análise feita pela OIC sobre o efeito da crise no setor conclui que o consumo de café não deverá sofrer muito, revelou Osorio. Talvez, seja um pouco sentida na área dos cafés especiais, comercializados através de pontos luxuosos de grandes cidades, afirmou. Esses locais seletos estiveram supervalorizados durante muito tempo, mas aparentemente algumas dessas empresas estão refletindo sobre suas políticas anteriores, acrescentou. Do que Osorio não compartilha é a tipificação metafórica do café como “sobremesa”. A xícara de café é um consumo alimentar arraigado nas famílias, afirma.


A mesma visão tem Christian Meeus, chefe de relações internacionais da Efico, uma companhia internacional que comercializa café de todas as procedências desde seus escritórios e armazéns no porto belga de Antuérpia. “Não vou dizer que o ex-presidente costarriquenho estava equivocado, mas entendo que, para mim, por sorte, o café não é uma sobremesa, disse Meeus à IPS. “Faz parte da alimentação diária das pessoas. E é por essa razão que o consumo dos produtos básicos alimentares, entre os quais incluo o café, não estão sento tão afetados pela atual crise”, ressaltou.


A particularidade do comportamento do café nos mercados internacionais começou a ser notada nos primeiros anos desta década, quando os produtos básicos, tanto da agricultura quanto os derivados da atividade extrativista, tiveram valorização até preços inéditos em mais de 40 anos. Já o café, nesse mesmo período, após uma fase de auge entre 1994 e 2000, caiu em uma depreciação profunda que desanimou os produtores e os novos investimentos. Assim, diminuiu a oferta dos países africanos em cerca de 20%, principalmente na Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Uganda e Angola.


Por essa época surgiu o Vietnã, um novo protagonista do mercado que substituiu parcialmente os africanos. Porém, este país, que deslocou a Colômbia como segundo produtor mundial, atrás do Brasil, sofre problemas de falta de capacidade para processar todo o grão que colhe. Fez enormes esforços para superar esse déficit, mas ainda continuam sem resolvê-lo, disse Osorio. A situação do setor foi critica com uma intensidade sem precedentes entre 2000 e 2005, quando o nível dos preços internacionais apenas chegava à metade dos custos de produção, disse o diretor da OIC. O fenômeno repercutiu igualmente na América Central e no México, onde cerca de 400 mil trabalhadores do café abandonaram as áreas de cultivo para emigrar aos Estados Unidos ou a zonas urbanas de seus países.


A tendência se inverteu a partir de 2004 com a recuperação dos preços do café que continuou até quase o final de 2008, quando o resto dos produtos básicos já estavam em queda acentuada devido à crise financeira que surgiu nos Estados Unidos em agosto de 2007 e depois se espalhou pelo mundo. O efeito da recessão foi sentido no café a partir de setembro do ano passado. Desde entoa, o preço caiu em cerca de 20%. Mas, Meeus estima que é muito estranho o que ocorre com o café porque “atualmente temos uma demanda em aumento” e resulta que nosso produto “não está diretamente influenciado pela crise”.


A única dificuldade que vejo nas operações do setor é a escassa disponibilidade de créditos para as diferentes atividades. Isso pode afetar um pouco o café, disse Meeus. Por outro lado, os preços internacionais são relativamente bons, acrescentou. A libra (454 gramas) de café é cotada atualmente entre US$ 1,15 e US$ 1,20. O valor de US$ 1,20 por libra é favorável a novos investimentos ou plantações, disse Osorio. Porém, níveis de preços entre US$ 1,50 e US$ 1,70 a libra podem ser absorvidos pelo mercado sem problemas para o consumo, acrescentou.


Quanto às perspectivas do abastecimento do mercado, Osorio aceitou que com uma demanda muito dinâmica, como a atual, este ano pode apresentar um déficit de produção devido ao ciclo bianual do Brasil, que em 2009 corresponde a uma queda da colheita brasileira. A contribuição do Brasil varia entre 15% e 20% ao ano por causa do ciclo de “estresse” das árvores. Isso é normal no primeiro produtor mundial, é o que o País chama de “uma queda”, disse o diretor da OIC. A produção anual mundial é atualmente de 130 a 135 milhões de sacas. O problema reside no consumo, que aumentou cerca de 25 milhões de sacas nos últimos anos, e fica em torno dos 130 milhões.


O quadro se complica porque as reservas dos produtores praticamente desapareceram. Há cerca de 30 anos o Brasil dispunha de estoques equivalentes a 75% do consumo do mundo em um ano. Hoje não existem reservas no País. E o mesmo ocorre em todos os demais produtores. A única alternativa são as reservas em poder dos importadores, que ficam nos portos livres ou nos armazéns dos torrefadores. Mas esse volume é de apenas 20 milhões de sacas, disse Osorio. O chefe da OIC estima que o valor das exportações embarcadas pelos países produtores chega atualmente a US$ 15 bilhões ao ano. Já o valor que esse produto obtém no mercado final aumenta até chegar em torno de US$ 90 bilhões.


Parece um roubo comprar um produto bem barato e que no final chega à xícara custando caro, disse Meeus a uma pergunta da IPS. Mas o que não se explica é que o café vendido na xícara não é apenas processado. Seria muito simples explicar dessa forma a situação, afirmou. É preciso agregar custos de importação, financiamento, transporte marítimo, seguro, armazenagem, torrefação, empacotamento, etc. Além disso, na Europa, por exemplo, os custos trabalhistas são muito altos. A isso se somam comercialização e distribuição, todos fatores que resultam em um preço muito alto, explicou Meeus.


Outro desafio no setor do café é a questão da exploração das terras agrícolas que podem ser destinadas à produção de alimentos ou de bioenergia, recordou Osorio. As áreas cultiváveis e a água disponível são alvo de disputa entre os que as querem para obter alimentos ou para extrair energia. As diferenças diminuíram um pouco com a redução do preço do petróleo, mas a questão continua latente, acrescentou. Este é um assunto de sustentabilidade que vale tanto para o cacau quanto para o café como para as terras dedicadas a esse cultivos, disse.


Em áreas de países como a Colômbia ou centro-americanos, onde o café é cultivado nas montanhas, existe uma espécie de proteção. Mas, em regiões do Brasil ou da África a possibilidade de o café ser menos lucrativo do que a produção de alimentos ou de energia é uma ameaça certa para o setor, disse Osorio. Esta questão da vocação agrícola das terras atualmente ocupada por cafezais será debatida na II Conferência Mundial do café, que a OIC realizará em fevereiro de 2010 na Guatemala.


O exame da situação no mercado mundial do café, promovido pela Conferenciadas Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), aconteceu na segunda semana deste mês na sede dessa instituição na cidade suíça de Genebra. Seu secretário-geral, Supachai Panitchpakdi, disse que o café proporciona renda para as economias de subsistência, fornece emprego rural a homens e mulheres e é um instrumento de redução da pobreza. IPS/Envolverde


 


(Envolverde/IPS)

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