ARTIGO Darcy Roberto Lima – O aroma do café e a fisiologia da paixão

O aroma do café e a fisiologia da paixão

Darcy Roberto Lima
Ph.D em Medicina pela Universidade de Londres e coordenador científico do Projeto Café e Saúde.
 


Dr. Jorge Moll & Dra. Fernanda T. Moll
Centro de Neurociências, Rede LABS-D’Or, Rio de Janeiro/RJ
 
O aroma do café, o mais rico da natureza, nos faz despertar e ficar logo de bom humor. E o Coffee-break é a melhor parte das reuniões, congressos e palestras. O olfato é o mais importante dos nossos sentidos para a escolha da comida, da bebida, do namorado(a), de animais de estimação, perfumes, vinhos, lençóis e edredons. Tudo que é mais cheiroso é mais gostoso. É o olfato que desperta o desejo, o interesse por uma flor ou um perfume e é ele que regula a fisiologia da paixão. Um recém nascido reconhece a mãe pelo cheiro de seu leite, e assim começa o maior e mais complicado amor de nossas vidas. Guardamos na memória o cheiro ruim de algo estragado com mais facilidade que a sua imagem, como, p.ex. um ovo podre.


O cheirinho de café causa efeitos misteriosos no nosso cérebro. Como o cheirinho do amor. Os alimentos funcionais possuem substâncias benéficas para o corpo humano; os antioxidantes de frutas e legumes previnem contra o câncer. Mas será que o aroma pode trazer prazer e saúde? O que a humanidade deve comer e, principalmente, beber para viver mais? Será que devemos nos guiar principalmente e instintivamente pelo cheirinho gostoso da comida e da bebida como fazemos com o prazer e o amor?


Poucos brasileiros sabem que o café é mais complexo que o vinho, mais barato e mais rico em compostos saudáveis e voláteis. O vinho varietal é feito com uma só variedade de uva e o vinho de corte (ou de Assemblage) é elaborado a partir de diferentes uvas. O café também pode ser puro (varietal) ou um blend de diferentes tipos de grãos ou de diferentes regiões. Cada região produz uva ou café com características e pecualiridades únicas. Mas ações da natureza ou do homem podem alterar as características numa mesma região. Assim como existem safras de vinhos maravilhosas, o mesmo ocorre com o café. O “terroir” é uma peculiaridade de vinho e café. Nascido de solo excepcional de argila azulada, o vinho Petrus está em todas as listas dos melhores. A Merlot é uma das uvas de vinhos tintos mais populares do mundo, pois são menos tânicos e amadurecem mais cedo. E o melhor da casta acontece no Pomerol, subregião de Bordeaux, na França. O lendário Petrus é o vinho que todo Merlot gostaria de ser e que todo enófilo gostaria de ter.


A palavra “Terroir” data do Século XIII, sendo uma modificação linguística de formas antigas com origem no latim popular “territorium”. Designa uma extensão limitada de terra considerada do ponto de vista de suas aptidões agrícolas. Em relação ao vinho, tem significados como: “solo apto à produção de um vinho”, “terroir” produzindo um grand cru”, “vinho que possui um gosto de terroir”, “um gosto particular que resulta da natureza do solo onde a videira é cultivada”. E para reconhecer isto existem diversos profissionais.


O “Sommelier” é um profissional de restaurante encarregado dos vinhos, desde a elaboração da carta, compra e manutenção do vinho na adega, aconselhamento do vinho aos clientes e o respectivo serviço à mesa. O Enófilo, palavra de origem grega que significa “amigo do vinho” (enos = vinho + filos = amigo), inclui todas as pessoas amantes do vinho, estando aí todos os médicos e consumidores. Na atualidade a atenção à planta café e seu “terroir” criou o café orgânico, tradicional, superior e gourmet ou especial, café sustentável, o espresso e, recentemente, o excelente Nespresso da Nestlé. Uma nova profissão surgiu: o barista, que atua como um “Sommelier” do café. Hoje podemos ter o cafeólogo, o barista e o cafeófilo….hummmm, nome estranho. Tudo pelo prazer de tomar um gostoso café.


A ciência dos alimentos possui conhecimentos avançados, mas parciais, sobre a complexidade química do café, que é bastante superior à da uva e dos vinhos. A matriz do café é extremamente complexa e seu processamento (torrefação) dá origem a uma grande variedade de compostos voláteis e não voláteis, todos responsáveis pela qualidade da bebida (bebida, aroma, sabor, corpo), além dos efeitos benéficos para a saúde humana. Um bom conhecedor de café pode obter da bebida o máximo de prazer aliada à saúde.


O café processado contém mais compostos voláteis – já foram identificados quase mil – do que qualquer outro alimento ou bebida. Dentre esses voláteis, no grupo dos heterocíclicos foram identificados alguns que possuem grande impacto para o aroma final do café torrado, como o 2-furil-metanotiol, caveofurano, N-furil-2-metil-pirrol e o metil-pirrol. Este último é formado junto com a niacina (vitamina B3), a partir da degradação da trigonelina. Derivados do metil-pirrol também formam, por exemplo, o núcleo de feromônios de insetos. Além dos heterocíclicos, existem vários outros voláteis, como alifáticos, alicíclicos e aromáticos encontrados em baixas concentrações, o que dificulta seu estudo quantitativo e a avaliação de suas propriedades sensoriais.


Desse grupo de compostos podemos destacar os fenóis, aldeídos, cetonas, álcoois, éteres, hidrocarbonetos, ácidos orgânicos, anidridos, ésteres, lactonas, aminas e os compostos contendo átomos de enxofre, como os sulfetos e dissulfetos. Evidentemente, uma série de compostos voláteis apresenta mais de uma função química, o que dificulta a sua classificação mesmo por um classificador ou barista experiente.


Recentemente, estudos utilizando neuroimagem funcional, especialmente a ressonância magnética funcional (RMf), vêm contribuindo para o estudo da percepção olfativa e gustativa em humanos. Dentre os inúmeros estímulos que podem ser utilizados para evocar percepção olfativa e gustativa, o café se destaca por sua incrível e incomparável riqueza de compostos voláteis. Uma reação emocional prazerosa é denominador comum, tanto entre apreciadores contumazes quanto consumidores ocasionais da bebida. Excetuando-se as sensações gustativas, percebidas na língua (paladar) como doce, salgado, amargo, ácido, assim como textura e temperatura, o aroma do café é o grande responsável por seu sabor.


O café instantâneo possui os componentes necessários à estimulação dos botões gustativos na língua, que, em tese, respondem pelo “gosto” característico. Esta forma de preparo carece de compostos aromáticos temporários, reduzindo a apreciação plena de seu aroma e sabor. Mas a identificação de compostos voláteis importantes de impacto no cérebro permitiria seu isolamento e inclusão como um aditivo no café solúvel, dando-lhe um aroma e sabor mais prazeroso e natural. De forma análoga, o café consumido horas depois de preparado, mesmo que conservado quente, não evoca a mesma sensação de gratificação. Assim, o aroma do café adquire suma importância na determinação do sabor final, onde residem as diferentes qualidades de gratificação que correspondem aos diferentes tipos de grãos, seu “terroir” e métodos de torrefação.


Dados pioneiros de uma pesquisa com correlatos cerebrais da experiência olfativa e gustativa do café por Ressonância Magnética Funcional (RMf) em desenvolvimento no Centro de Neurociências, Rede LABS-D’Or, Rio de Janeiro/RJ financiadas pela EMBRAPA- CAFÉ mostram que voláteis de cafés gourmet de excelente qualidade segundo os melhores especialistas (classificadores de café) estimulam regiões vitais para o prazer no sistema límbico como amígdala, área tegmental ventral e núcleo acumbens, da mesma forma como o amor e o bem-estar de uma amizade o fazem (Figura 1).


Acredita-se que a principal via envolvida no prazer é um circuito de células nervosas – a via dopaminérgica – que se estende de uma região do cérebro conhecida como área tegmental ventral ao núcleo acumbens, regiões profundas do nosso cérebro que regulam a atividade do sistema límbico, responsável pelas nossas emoções mais fundamentais. Esta região envia impulsos emocionais positivos ou negativos para o córtex cerebral.


No sistema límbico existe uma rede de conexões entre células nervosas que liberam peptídeos endógenos, os quais regulam o teor final de dopamina no núcleo acumbens. Esta via parece estar envolvida na motivação e comportamento necessário para a sobrevivência humana, incluindo o próprio ato da reprodução e o apego a entes queridos. Por exemplo, a escolha e o consumo de alimentos pode não ter sido selecionado de forma específica no processo evolutivo, mas através da ativação do sistema límbico dopaminérgico, alimentos (e drogas) podem levar a uma gratificação e condicionamento, fortalecendo mecanismos de memória e aprendizado. Quando algo estimula este sistema, imediatamente é reconhecido e lembrado vividamente, inclusive as circunstâncias que levam ao seu uso ou consumo.


Por isto, o prazer do aroma e gosto de café guardam mistérios que a ciência só agora ousa desvendar, para um melhor conhecimento da própria natureza humana, da planta café e da sua complexa, saudável e prazerosa interação. Podemos prever que no futuro, além do café e seus componentes poderem ser recomendados com receita médica, imagens de RMf poderão ser obtidas para orientar os diversos perfis aromáticos e gustativos de café de acordo com a preferências e os efeitos na atividade cerebral, adequadas para o perfil do consumidor, trazendo assim o máximo de prazer e saúde…




Figura 1. Áreas do sistema mesolímbico
(prazer, memórias e emoções) estimuladas pelo aroma de cafe:





Ressonância magnética funcional (RMf) do cérebro normal





Ressonância magnética funcional (RMf) do cérebro com aroma do café


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