ORGÂNICOS – O desafio de ser Grande

Por: Globo Rural

CAPA
19/06/2009 
  

DEMANDA CRESCENTE POR ALIMENTOS SAUDÁVEIS IMPULSIONA A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS ORGÂNICOS, NEGÓCIO CADA VEZ MAIS RENTAVEL NO MERCADO MUNDIAL. NOS EUA E NA EUROPA, O CONSUMO CRESCE MAIS DE 20% AO ANO
 
Texto JANICE KISS


NADA FOI PLANEJADO, mas a infância passada na fazenda de cacau dos avós, no sul da Bahia, influenciou Marcos Palmeira a se tornar agricultor 14 anos atrás. Quando sobe a serra fluminense em direção a Teresópolis, a 87 quilômetros da capital do estado do Rio de janeiro, ele deixa de lado a profissão de ator de cinema e de novelas na TV Globo e passa a se dedicar, com muito orgulho e boa vontade, a uma atividade completamente distinta daquelas que o tornaram famoso Brasil afora: agricultor na Fazenda Vale das Palmeiras, propriedade de 300 hectares voltada para a produção de legumes, hortaliças, leite, iogurtes e queijos orgânicos. Ser produtor rural era sonho antigo, compartilhado com o amigo de infância Rildo de Oliveira Gomes, morto em 2000, que administrou a fazenda por apenas cinco anos.


Quando adquiriu as terras Marcos percebeu que os antigos funcionários – mantidos na propriedade – não comiam o que plantavam. “Tem muito veneno”, respondeu um deles na lata. Foi quando ele decidiu que nenhuma química seria mais empregada por lá. No começo, ambos enfrentaram pragas sucessivas sobre as lavouras. O projeto de cultivar sem pesticidas só começou a deslanchar com, orientação de um agrônomo especializado. A conversão para a agricultura orgânica é um processo que demora no mínimo três anos e no qual o agricultor tem de star disposto a encarar prejuízos no início, como eles o fizeram. O solo pede tempo para restabelecer sua fertilidade nessa agricultura que preconiza a diversificação da terra e a rotação de lavouras, que evitam problemas provocados pela monocultura, como o risco à biodiversidade.


A certa altura, a Vale das Palmeiras pedia a definição de um rumo. “Ou se transformava em negócio ou virava lazer. Fiz a escolha pelo negócio, só que sustentável”, explica. “Com a prática, descobri a adubação verde, o consórcio de plantas e a ação de algumas delas no controle de pragas e insetos”, comenta, agora, com muita intimidade com as técnicas, o manejo e as manhas recomendados pelos preceitos ecológicos. Há quatro anos, ele conta com a assessoria do engenheiro agrônomo senegalês Aly Ndiayl, responsável direto pelo cultivo de hortaliças (no começo eram 10 e agora já são 35 tipos) e pela produção de iogurte e queijos – afinal, Marcos Palmeira tem muitos compromissos como ator e nem sempre está presente. No total, eles vendem 600 quilos de hortaliças, 150 queijos, 20 quilos de ricota e 250 garrafas de meio quilo de iorgurte por dia, comercializados em supermercados da Zona Sul carioca e da rede Wal-Mart no Rio e em São Paulo. “Hoje, /a fazenda dá lucro e emprega 30 funcionários com carteira de trabalho assinada”, reforça o ator agricultor, que se envolveu em outras frentes. Com apoio do Sebrae, da Fundação Banco do Brasil e outros parceiros, Marcos e Aly percorrem o país para promover a implantação do Pais – Produção Agrícola Integrada Sustentável, método de cultivo de hortaliças em canteiros circulares em pequenas propriedades (leia a respeito em revistagloborural.globo.com). Além das palestras que ele faz por todo o país, o ator pretende promover dias de campo nas vizinhanças da fazenda, na companhia do agrônomo.”São meios de incentivar o cultivo orgânico e mostrar aos produtores que preservação ambiental e lucro são compatíveis”, diz.


Sandra Caires Sabóia, gerente de FLV (frutas, legumes e verduras) do Grupo Pão de Açúcar, em São Paulo, bem sabe o quanto ambos estão certos. A venda de alimentos isentos de agrotóxicos, que representa faturamento de R$ 40 milhões para a empresa, aumentou 40% neste semestre, comparativamente a 2007 e 2008. No final deste ano, ela espera que o número ultrapasse os R$ 50 milhões. “A preocupação com a saúde e a proteção ambiental é o que move os consumidores”, diz ela, observando que, toda vez em que a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária divulga um relatório sobre a presença de pesticidas em alimentos, cresce o interesse da população pelos orgânicos. Na última publicação, em abril passado, pimentão, morango, uva e cenoura apresentaram índices mais altos que o permitido por lei. Resultado: aumentou a procura por tais hortaliças nas lojas do grupo. Não fosse o preço, a demanda seria bem maior. De maneira geral, os produtos custam de 15% a 100% a mais, em relação aos convencionais. Segundo Sandra, a tendência, porém, é de queda nos valores, como vem acontecendo nos Estados Unidos e na Europa. Lá, eles são entre 25% e 40% maiores que os tradicionais.


Nos Estados Unidos, o consumo cresce 20% por ano – até a primeira-dama Michelle Obama instalou uma pequena horta no quintal da Casa Branca, para melhorar a qualidade da alimentação da família e dar exemplo à população americana, que sofre com obesidade e outros problemas de saúde. O problema é que a área de conversão para a agricultura orgânica sobe apenas 1% no mesmo período. Uma das explicações é o custo dessa mudança, que exige três anos de preparo da terra para obter a certificação. ” É um descompasso perigoso. Mas agora é uma ida sem volta”, avalia Sandra Caíres.
A produção de alimentos orgânicos virou negócio parrudo em uma década. Em 2008, movimentou US$ 46 bilhões e a expectativa é que atinja os US$ 60 bilhões em 2010.
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Planeta saudável
Áreas ocupadas com produtos orgânicos no mundo (em milhões de hectares)
CEREAIS (1,295)
PASTAGEM (1,059)
AZEITONAS (0,289)
FRUTAS E NOZES (0,266)
PROTEÍNAS (0,107)
ÓLEO VEGETAL (0,97)
UVAS (0,95)
LEGUMES E VEGETAIS (0,92)


Fonte: FIBL (Instituto de Pesquisa de Agricultura Orgânica, na sigla em inglês) 2008


Em uma década, o setor passou por drástica transformação. A imagem da pequena agricultura de anos atrás, de que abastecia mercadinhos locais, foi diluída por um comércio internacional que atende ao apetite de seus clientes por alimentos impolutos. O americano Gary Hirshberg transformou-se em exemplo de prática de negócio globalizado ao se tornar um dos maiores empreendedores verdes de seu país. Ele associou sua empresa, a Stonyfield Farm, fabricante de iogurtes orgânicos dos Estados Unidos, à francesa Danone em 2001. O executivo é partidário da opinião de que “o momento em que entramos nesse setor, precisamos nos estabelecer globalmente”, declarou por e-mail.


A vida certamente mudou desde 1983, quando ele se associou a um advogado também adepto do “retorno à terra” para vender pequenas quantidades de iogurte orgânico integral.


Na época, eles tinham apenas sete vacas, que pastavam bucolicamente no campo. Hoje, a fazenda se transformou numa fábrica de última geração perto da pista de um aeroporto em New Hampshire, EUA, onde maneja leite de outras pro priedades. A Stonyfield fatura US$ 340 milhões e recebe morangos da China, purê de maçã da Turquia, mirtilo do Canadá e bananas do Equador para entrar na composição de seus produtos. Segundo Gary, não é possível pensar em expansão e rejeitar o comércio internacional. Ele já declarou em diversas ocasiões que “apoiar um agricultor % familiar em Madagascar ou reduzir o uso de produtos químicos na Costa Rica é tão importante quanto fazer o mesmo em seu pais”.


Há dois anos, o presidente da Stonyfield Farm lançou o livro Stirring à up: how to make ney and save the world (Misturan do: como ganhar dinheiro e salvar o mundo, na tradução literal). A publicação é uma coletânea de histórias de empresas que conciliaram sucesso nos negócios com sustentabilidade. O único caso brasileiro é o da fabricante de açúcar orgânico Native. O autor dedica três páginas para explicar o êxito do maior projeto individual de agricultura ecológica em todo o planeta, liderado por Leontino Balbo, diretor da usina São Francisco, em Sertãozinho, interior paulista. Cerca de 80% do faturamento da empresa corresponde à exportação de 60 mil toneladas de açúcar a granel para fabricantes de alimentos. Para a Stonyfield, são vendidas entre 9 e 10 mil toneladas por ano. Leontino Balbo concorda com a filosofia de Gary sobre a prática de uma agricultura que zele pelo meio ambiente e torne os produtores bem~ ~sucedidos. “Os orgânicos não são mais um negócio tímido como no passado”, analisa. Ele percebeu essa tendência em 1986, quando encampou uma revolução na empresa familiar, ao propor a implantação do Projeto Cana Verde. Na época, Leontino convenceu a todos que o futuro da usina estava no cultivo de cana-de-açúcar sem agrotóxicos e na colheita sem queimadas, num momento em que essa forma de produção não era merecedora de tanto crédito no Brasil.


Com o tempo, ele sofisticou o projeto e instalou um inventário da biodiversidade. A finalidade era descobrir quais animais viviam nos plantios livres de pesticidas misturados a áreas de proteção. Há 16 anos, ele deu início ao rastreamento da fauna em parceria com a Embrapa Monitoramento por Satélite, em Campinas, SP. Durante esse período, uma equipe escarafunchou as fazendas para montar uma imensa radiografia: 312 espécies (anfíbios, répteis, mamíferos etc) fizeram da usina sua moradia fixa ou a utilizam como abrigo temporário. Cerca de 70% delas são raras, como o tamanduá-bandeira, o mão-pelada e o veado-catingueiro.


A vida das espécies é assegurada pelos corredores ecológicos (áreas que unem os remanescentes florestais), pela recuperação das matas ciliares, pela preservação de rios e nascentes e pelo plantio de 1,3 milhão de mudas de árvores. A americana Stonyfield Farm usa imagens desses canaviais povoados de raposas e pássaros em materiais promocionais da marca. “Nestes tempos, a monoculturas”, diz o coordenador da Organics Brasil. “Vale lembrar ainda a importância da agricultura tradicional na produção de matéria-prima para ração animal.”


A Cia. Orgânica Café vende 30% da safra de 1.500 sacas para Japão, Emirados Árabes e Estados Unidos. O restante abastece lojas do Grupo Pão de Açúcar com quatro tipos de café – grão, sachê, solúvel e em pó – e outros comércios. “Eu adoraria escoar tudo para o mercado interno, que melhorou muito, mas ainda não absorve toda a produção”, diz seu diretor, Paulo Vilela. Para crescer, ele se associou a outros dois tradicionais cafeicultores que queriam por o pé nesse mercado, e abriram a holding Bem da Terra, que abrigará outros produtos ainda mantidos em sigilo. “Ou empacava, satisfeito com o que já tínhamos conquistado, ou deslanchava.


Fiquei com a segunda opção.” Ele comenta que a empresa já não era mais a mesma de quando nasceu sete anos atrás. Na época, Paulo Vilela assumiu a propriedade da família, a Chácara da Boa Esperança, no norte do Paraná, depois de uma geada dizimar 70 mil pés em 20 hectares. Ele decidiu que iria restabelecer os cultivos pelo método orgânico ao se surpreender com a preservação de certas práticas por parte dos funcionários mais velhos, como a adubação verde e o consórcio de plantas como receitas certas para a terra fraca. O café plantado por Paulo e por outros dois fornecedores são cultivados em meio ao feijão, à banana na e a outras frutas. É um blend desses grãos que dão origem ao poduto com o qual disputa o novo O crescente – mercado de 21 café gourmet. Ele é ciente de que o setor amadureceu está preparado para o desafio do crescimento – ter escala baixar o preço. “Abrimos essa `picada a facão. Por que vamos recuar agora?”


Evolução no tempo No começo, o orgânico era restrito o comunidades,
1920
surge a agricultura biodinâmica baseada na antroposofia, filosofia criada pelo educador alemão Rudolf Steiner. Ela leva em conta a influência lunar e o uso de preparados nos cultivos.
1930
apreciamento da agricultura orgânica, desenvolvida na índia pelo inglês sir Albert Howard, e da agricultura natural, criada no Japão pelo filósofo Mokiti Okada.
1940 difusão da agricultura orgânica nos EUA. Ocorre também a introdução de pesticidas e herbicidas nas lavouras americanas
1950
avanço da producao e da utilização de agrotóxicos no mundo com a Revolução Verde, criada pelo microbiologista Norman Borlaug, que preconizou a produção em larga escala dos alimentos.
1960 surgem os movimentos ambientalista e hippie nos EUA, intimamente ligados à agricultura orgânica.

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