CAFETEIRA – Chá vira fetiche para os novos ricos chineses – Como os cafés no Ocidente, as casas de chá proliferam pela China

 MÔNICA BERGAMO
28/06/2009
 
Mônica Bergamo
 
 
bergamo@folhasp.com.br


Hora do chá


O chá vira fetiche para os novos ricos chineses, que pagam R$ 35 mil por 300 g do pu’er, também vendido no Brasil. Por Raul Juste Lores, de Pequim


Chines prepara chá na Zhuyeqing


Para a medicina chinesa, o chá Wulong (“dragão negro”) ajuda a eliminar gordura. Um quilo de uma boa safra pode custar até 20 mil yuans (R$ 7.000) em Pequim. A cotação do chá “Poço do Dragão”, um chá verde que tira rugas da pele, chega a R$ 4.000.


Não interessa se falta comprovação científica. O chá vive momento de fetiche absoluto na China, como vinhos e charutos no Ocidente. Com a superpopulação de novos ricos, não faltam maneiras de usar o chá como símbolo de status.


A embalagem de 300 gramas do chá preto pu’er, o mais prestigiado da China, por exemplo, chega a custar 100 mil yuans (R$ 35 mil) se for da safra 1978, uma das melhores. A venda do Romanée-Conti dos chás chineses só acontece em leilões, por sua raridade. Um conjunto de porcelana para a “cerimônia do chá” em casa é um dos presentes favoritos para se dar ao chefe ou ao figurão do Partido Comunista – os melhores custam no mínimo R$ 2.000.


“Fazendo um paralelo com o vinho, a China é a França dos chás, o Japão é a Itália, e a Índia, o Novo Mundo”, diz o cantor Ed Motta, um especialista na bebida que já pagou US$ 300 por cem gramas de chá em Londres e fez carta da bebida para um restaurante de SP (ver box).


Na China, a mesa onde se serve a bebida também deve impressionar. Mesas de madeira africana maciça, com o espaço para o jogo de chá talhado à mão, e imagens de Buda “para dar sorte”, podem chegar a 132 mil yuans (R$ 45 mil).


Por mais de cem anos, os chineses compraram chá em singelos pacotinhos de papel amarrados com barbante, que ainda são vendidos a dez yuans (R$ 3,50). Imperadores gostavam de visitar as principais plantações do país, em Hangzhou, Suzhou e Yunnan, e Mao Tse-tung e Deng Xiaoping colhiam seus chás favoritos direto da terra.


“Na dinastia Qing, o imperador Qian Long (1711-1799) pedia para que seus chás fossem colhidos por garotas virgens de 16 e 17 anos e que elas armazenassem as folhas em seus seios. O imperador dizia que a prática deixava o sabor do chá mais suave”, conta o especialista Li Yuxiang, 48, que escreve em revistas especializadas em chá.


“Na última década, aprendemos a tomar chá e ficamos mais exigentes. Antes só tomávamos chás florais de Pequim, hoje sabemos a variedade de outras 20 regiões do país”, diz o empresário Diao Zhuo, 53, que tem uma indústria farmacêutica. “Passamos do carro usado para o importado, por assim dizer.” “O chá é uma grande oportunidade para reunir amigos, conhecer gente e fazer negócios”, diz a empresária Ji Ping, 32, da construção civil.


Ji vai uma vez por mês à “Cidade do Chá”, um shopping de quatro andares, onde 900 produtores de toda a China vendem folhas, porcelanas, mobílias e os chás mais raros do país. É atendida pelo “sommelier” do chá Lin Yansong, 35, da empresa Tianyi Mingpin, que lhe sugere as melhores safras e épocas do ano para se tomar os diferentes chás. O shopping fica na Maliandao, a “rua do chá” de Pequim. Em 1,5 km, há centenas de lojas, mercados e casas que comercializam a bebida.


Ali, compra-se o pu’er, considerado imbatível na cura de ressacas e na redução de colesterol. O mais caro chá chinês só cresce em montanhas da Província de Yunnan, sul da China, na fronteira de Mianmar. Melhora envelhecido – a partir dos 20 anos. Como sobra pouco armazenado, o preço disparou nos últimos anos. O sucesso fez com que os camponeses quisessem faturar rápido. Em 2006 e 2007, a produção duplicou – e a inflada bolha do pu’er estourou no início do ano. Hoje, um pu’er de safra recente custa a bagatela de R$ 50 o quilo – ainda que todo vendedor insista que o seu pu’er tenha 20 anos.


A indústria do chá da China movimenta US$ 18 bilhões, mais do que o total das exportações da Vale em 2008; 8 milhões de chineses vivem da bebida, que 240 milhões consomem diariamente.


O negócio se modernizou. A Wuyutai, criada em 1877, espalhou mais de 200 lojas pelo país e começou a exportar para o Japão. Promove cursos sobre o chá em escolas e criou programas de visitação em 18 de suas plantas em Hangzhou. O setor só teme a modernidade. “O chá se toma demoradamente, com os amigos, tranquilamente”, diz Sun Danwei, a gerente-geral da Wuyutai. “Nossa maior concorrência é a pressa da vida moderna, que faz os jovens preferirem o Starbucks, o café, a Coca Zero”, suspira.


O contra-ataque acontece com os chás que imitam as bebidas modernas. Em 2008, 10 milhões de garrafas, latas e refrigerantes de chá, alguns que se parecem com Gatorade, foram vendidos na China. O mais novo será lançado no mês que vem. É uma garrafinha de água mineral com um sachê de chá floral que pode ser misturado na hora. Um sorvete de chá será lançado neste verão chinês.


MADE IN BRAZIL


É difícil encontrar, no Brasil, lugares que ofereçam além dos tradicionais saquinhos de camomila, boldo ou erva-cidreira. O cantor Ed Motta, que costuma viajar com bule de chá e chaleira elétrica na bagagem, diz que, em SP, amantes da bebida podem recorrer à Loja do Chá – Tee Gschwendner -grife alemã com produtos importados. Ed indica o bairro da Liberdade como um dos melhores lugares para comprar bules e o restaurante Kinoshita para saborear um bom chá verde.


Motta foi o consultor da primeira carta de chás do restaurante Emiliano, que tem 27 variações vindas da China, como o pu’er, além de produtos do Japão e da Índia, com preços que vão até R$ 120 o bule.


Ele diz que o chá “é um bálsamo da limpeza e ainda serve para tirar a culpa”. Para os que acham que chá não é bebida de país quente, ele lembra que os indianos são consumidores contumazes e dizem que a bebida faz suar e acaba provocando sensação de frio. No Brasil, diz Motta, o glamour do chá esbarra em cuidados de preparação. “Muitos lugares servem a bebida sem água de qualidade.” O cantor só toma chá preto servido em bule de louça e chá verde, em bule de ferro.


MADE IN CHINA


Como os cafés no Ocidente, as casas de chá proliferam pela China. Há 200 mil no país, 1.500 delas só em Pequim. Nas mais modernas e sofisticadas, uma jornada de docinhos e vários tipos de chá (do pu’er ao “Poço do Dragão”), em porcelanas autênticas, em salas privativas, pode sair pelo equivalente a R$ 300 por casal.


A afetação também chega ao nome delas, como a Zhuyeqing Experience Tea House, uma “casa de chá-conceito”. Na Geng Xiang (“melhor aroma”), os clientes são recebidos por um batalhão de esguias recepcionistas vestidas com o tradicional qipao.


Às 19h30, logo após o jantar chinês, a casa recebe por volta de 400 pessoas, que vão tomar chá por horas e assistir a apresentações de tai chi chuan e kung fu. Quase todos são profissionais chineses em busca de uma longa happy hour. 

Mais Notícias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.