OPINÃO – Igualdade já – Por Ricardo Strenger

15 de agosto de 2009 | Sem comentários Mais Café Opinião

A necessidade move a humanidade. Assim, por esta necessidade, o Sr. Presidente  da Abic defende que a solução para a crise recorrente pela qual vive a cafeicultura brasileira, passa por uma mudança radical no discurso, e efetiva participação de todos os elos da cadeia produtiva na definição de uma política para o setor.

É estranho que após tantos e tantos anos, só agora a indústria acha que este é o caminho. Mais conversas? Não, acho que não, por que estão vendo o fundo do poço em que se encontra o cafeicultor? Estão preocupados com o cafeicultor? Não, acho que só estão preocupados consigo mesmo.

Quando diz: “No passado, o entendimento era de que o governo fornecia benesses e as pessoas disputavam estas benesses. Hoje temos de falar em cadeia e , por isso, não há mais espaço para disputa.” Discordo totalmente desta frase do Sr. Presidente da Abic. Primeiro, porque o governo nunca forneceu benesses ao setor produtivo do café. A história do café mostra que, desde 1900,as intervenções do governo sempre foram no sentido de beneficiar o país que detinha 70% a 80% da exportação de café e representava 80 % da balança comercial. Houve épocas gloriosas para a cafeicultura e o país foi forjado pela atividade. A indústria paulista floresceu graças à cafeicultura. Quando os preços eram altos, veio o confisco e o governo ficava com a parte substancial do lucro. Naturalmente que as pessoas disputavam os poucos recursos que havia,mas nunca no sentido pejorativo que o Sr. Presidente da Abic quis dar.

Segundo, quanto a hoje, termos que falar em cadeia, não concordo, pois isto não é realidade. O agronegócio brasileiro é dividido em duas partes: o agro e o negócio, que é da porteira para fora. O lucro é todo do negócio. Para se ter uma idéia, existe uma associação brasileira do agribusiness(em inglês?)-Abag-, que é comandada por um diretor da Bünge.

Queremos a cadeia do agronegócio brasileiro, mas hoje ela não é uma realidade, e  não pensem que é culpa do submisso produtor. O produtor é oprimido no sistema e não tem como se defender. Vendeu-se a idéia de cadeia,para se obter  benesses do governo.

Terceiro,disputa, sim, tem que haver disputa para podermos equilibrar todos os elos da pretensa cadeia.Disputa, sem a qual nunca haveremos de resolver a situação da cafeicultura brasileira. Ninguém da nada para ninguém,muito menos a indústria e o exportador.

O produtor brasileiro,como diz o ditado, é como boi no pasto, se soubesse a força que tem não haveria cerca que o segurasse.Temos que entender que o produtor primário tem que ser elo forte na cadeia. Hoje o produtor e consumidor assistem a tudo passivamente e pagam a conta.
Quando o Sr. Presidente da Abic, diz que, a indústria teme perder o selo de pureza que premia os melhores cafés, segundo a reportagem da agencia Estado, não é verdade , pois este selo, que teve seu mérito no passado, não é um selo da qualidade e portanto, não pode premiar melhores cafés. Ele é ultrapassado e tem que ser substituído por um selo da qualidade emitido pela produção. O selo da Abic é somente um selo de pureza. Pureza é obrigatório por lei e o atual não tem poder de punição, pois é fornecido para associados de uma  entidade privada. Lembramos que é no mínimo imprudente a indústria se autofiscalizar.

Quando o Sr. Presidente da Abic, diz, que temos que discutir a distribuição dos recursos do Funcafé, é um verdadeiro absurdo. A indústria há décadas usufrui das benesses do governo e não é só no setor café. Vide últimos acontecimentos. Como podemos distribuir os parcos recursos construídos à custa do setor primário? Todos sabem que a indústria tem acesso a outras fontes de recursos baratos, inclusive a financiamentos do BNDES, a juros baixos, e nós produtores primários não. A indústria tem lastro suficiente para buscar recursos em bancos privados e até mesmo no exterior.

É necessário lutar contra a desigualdade, tanto isto é verdade que a história da humanidade mostra que todas as conquistas de igualdade e liberdade foram implantadas após muitas lutas. Vejam as lutas dos cristãos na Roma antiga, as lutas dos negros americanos, as lutas contra o apartheid e tantas outras…

Chegou a hora da luta dos cafeicultores. Isto se dará através da implantação de nossas propostas estratégicas, com as quais venceremos, e aí sim, teremos a tão sonhada igualdade na cadeia do agronegócio café. A Indústria tem direito de defender seus interesses , e ela é competente para isso. Nós não queremos destruir nada, só queremos o nosso lugar na história do Brasil.

Como dizia o sociólogo francês Pierre Bourdieu:“Vivíamos uma época de desigualdades crescentes, mesmo durante o capitalismo selvagem, havia limites. Agora, caminha-se para o capitalismo ilimitado, introduzem formas de gerenciamento antes inimagináveis. É a lógica do lucro sem limites. Isso é muito perigoso. Pode nos levar à barbárie”. Igualdade já!


Ricardo Gonçalves Strenger
Londrina,15 de agosto de 2009
ricardostrenger@yahoo.com.br


Comentários

Maria Amália arantes
A grande verdade é que produtores de café não tem dinheiro para bancar lobbies no Congresso, como tem a industria. Quando o Presidente da ABIC, num tom de desprezo vem falar das “benesses” recebidas pelo Governo, se esquece que sabemos o quanto pagam para deputados. E mais ainda, assistimos o Governo de fato oferecendo benesses à industria no geral. Esqueceram da industria automobilistica neste ultimo ano???? Das reduções de IPI, juros baixos ao consumidor para mais uma vez baterem recorde em faturamento? Não seja tolo sr. Presidente da ABIC, ou ao menos, não nos faça de idiotas.

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