OPINIÃO – Café: Retorno à Escravidão

9 de setembro de 2009 | Sem comentários Mais Café Opinião

Engº Agrônomo Armando Matielli – MBA em Agribusiness (FGV), Diretor do Sindicato dos Produtores Rurais de Guapé, Cafeicultor – Fazenda Jacutinga (Guapé / MG) e Presidente Executivo da SINCAL


Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea que extinguiu a escravidão negra no Brasil. Possuíam escravos os fazendeiros, mas era predominante a escravidão nos Barões de Café e da cana de açúcar.


No dia 2 de setembro daquele mesmo ano, de 1888 desembarcava no Brasil, em Santos, no navio Buenos Aires, meu nono (avô), Sr. Ângelo Arcangelo Mattiello, com 4 filhos, que partiu de Gênova na Itália, com 5 filhos, mas uma filha morreu em alto mar e foi jogada na água, que era a única maneira de desfazer dos mortos naquelas embarcações. Chegando ao Brasil, com a finalidade de substituir os escravos nas culturas de café e ou cana de açúcar ele dirigiu-se para a Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo e daí saiu com a família para a região da Mogiana, especificadamente para São João da Boa Vista e depois de passar por todos os passos de um imigrante italiano, como trabalhador rural, meeiro e depois sitiante de café, criou sua família e deixou gerações de homens trabalhadores em prol do desenvolvimento do Brasil.


Ele cumpriu sua missão, pois foi um homem de coragem, luta e empreendedorismo, deixando sua terra natal e aventurando por terras desconhecidas em busca de dias melhores. Mal ele sabia que deixaria na sua geração homens que enfrentariam injustiças como as quais que estamos enfrentando num país que se diz moderno e promissor. Ele não sabia que aquela cafeicultura que ele ajudou a implantar geraria tantas riquezas e abriria regiões promissoras e sedimentaria uma sociedade com bases econômicas e expansivas e que o Brasil seria uma potência econômica, grande parte graças ao café,  e que se firmaria como o grande produtor mundial de café com evoluções técnicas alcançando excelentes produtividades, que venceria uma doença endêmica como a ferrugem (Hemileia vastratrix), que o nosso café produzido alcançaria excelente qualidade e que teríamos os mais diversos tipos de sabores de café para agradar a todos os mercados e paladares, mas ele não sabia que chegaríamos a tal ponto de um desastre comercial deixando os produtores à mercê de uma “rapinagem comercial carterizada” e inescrupulosa com posições extremadas como podemos demonstrar:


– A saca de café de 60 kg beneficiada = 48 kg de café torrado e moído.


– 1 dose / xícara de café = 6 a 7 grs. de café torrado e moído


– 1 kg de café torrado e moído =  mais ou menos 150 doses de café


– 1 xícara de café na Europa =  3,5 Euros ou mais ou menos R$ 10,00.


– 1 kg de café torrado e moído = R$ 1.500,00


– 48 kg de café torrado e moído = R$ 72.000,00 / saca de café


– Preço de venda do café (atual) = R$ 240,00 / saca


– R$ 240,00 em R$ 72.000,00 = 0,3%


Portanto, comércio ficando com 99,7% e o produtor com 0,3% – INACREDITÁVEL e INACEITÁVEL.


Alguns analistas poderão contestar esse demonstrativo. Existem muitos métodos de cálculo, mas esse é real, basta viajar pela Europa (e paises de primeiro mundo em geral) e procurar as cafeterias, que são infindáveis e constatar tal fato. Essa maneira de calcular o resultado econômico foi para criar justamente contestações e discutir essa aberração, que há muito tempo não se discute. Enquanto estamos “brigando” com alguns teóricos ignorantes e insensíveis, para conseguir R$ 20,00 a R$ 30,00 a mais por saco para o preço mínimo, o mercado está à mercê de uma libertinagem e o cafeicultor continua trabalhando assegurando o emprego de muitos milhões de brasileiros e ainda pagando os pesados impostos e encargos sociais para assegurar o empreguismo governamental onde esses ignorantes e incapacitados mamam nas belíssimas tetas do governo.


Está faltando patriotismo e inteligência e esses teóricos e ignorantes deveriam sair de seus escritórios e abaixar o topete e o nariz empinado e visitar o campo e ver a real situação. É revoltante e isso tem nos causado repugnância e vamos chegando a tal ponto que deixamos os nossos pensamentos correr indisciplinadamente, pois, quando os argumentos reais, racionais e inteligentes não convencem os burocratas e “bezerrões gordos” das tetas governamentais teremos que passar a usar argumentos apelativos para tentar sensibilizá – los e angariar adeptos ás injustiças impostas. Com esses 0,3% bruto temos que pagar:


Adubo; defensivos; Oleo diesel e derivados; peças e assessórios para maquinários; Oficinas; Alimentação dos trabalhadores; Encargos Sociais (INSS, FGTS e outros; Multas do ministério do trabalho (mas isso caberá um artigo em especial); Energia elétrica; salário dos colaboradores; reposição dos maquinários; renovação periódica dos cafezais; Conservação de cercas e estradas; Conservação de imobilizado da fazenda; contribuições sindicais; Assessorias Jurídicas; Assessorias ambientais; Assessorias trabalhistas; Materiais para colheita (rastelos, peneiras, panos e sacarias); transporte do café para Cooperativas e transporte de insumos; corretivos de solo (calcáreo e gesso; Esterco); Uniformes e EPIs (equipamento de proteção individual); Cursos de treinamentos para os colaboradores; Juros e encargos financeiros; serviços de topografia e mapas para as devidas licenças ambientais; serviços cartorarios; medicamentos para os colaboradores; Exame de colinesterase, Audiometria, e outros exames médicos; Material de escritório; Internet; Telefone; Contribuição para educação dos filhos dos colaboradores; Cuidar do lado social (como campo de futebol e outros para os colaboradores); Manutenção de alojamento com camas, colchões e outros; Rações e medicamentos para os animais da fazenda para consumo dos colaboradores; Despesas com laboratórios para análise de solo, água, adubos etc; Despesas com a certificadora (certificado UTZ Certified); Despesas com a assessoria técnica da certificação; Despesa com transporte para os trabalhadores (Enquanto na zona urbana, o transporte dos trabalhadores é através de metrô, ônibus e muito vezes calcados em subsidios, na zona rural não temos nenhum apoio e ainda somos obrigados a comprar ônibus para tal. O transporte com segurança e conforto é necessário, mas precisamos dos mesmos direitos da zona urbana).


Deixamos de citar tantas outras despesas as quais temos que pagar com os míseros 0,3% do Agronegócio café. Aqui não citei a retirada pró – labore, pois ela não existe e explicarei o “porque”.


Portanto, como explicamos que o meu nono chegou ao Brasil, em 1888, para substituir os escravos e conseguiu tal feito, supomos que ele não sabia que após 121 anos de sua chegada, a escravidão não acabou e que estou numa posição inferior a situação que ele se encontrava há 121 anos atrás, pois veio como substituto de escravos e eu, após tantos anos, tornei-me um ESCRAVO DO SISTEMA, por isso não tenho retirada pró – labore, e nem salários de TETA governamental, pois escravo não tem retirada pró – labore como os demais da cadeia do Agronegócio café e muito menos “rendimentos” das tetas do governo.


Tenho dívidas, alongamentos, hipotecas, repactuações e tantas bengalas para manter o escravo de pé. Não vemos nos outros seguimentos da cadeia do Agronegócio café, tantos subterfugios para continuar trabalhando, pois são seguimentos rentáveis e não precisam hipotecar até a alma para conseguir sobreviver, isso demonstra claramente que os cafeicultores são os mais prejudicados pela escravidão imposta. Vamos lutar pelo abolicionismo da cafeicultura e, o nono, com certeza lá junto á Deus está torcendo para que eu e os demais cafeicultores do Brasil tenham forças para continuar na luta e se libertar da escravidão como tantos outros cafeicultores descendentes de Italianos, Alemães, Japoneses, Portugueses, Negros, Sirio – Libaneses.


ABAIXO A ESCRAVIDÃO E VIVA O ABOLICIONISMO!


 


Eng. Agro. Armando Matielli

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