ENTREVISTA – Ela internacionalizou as sandálias Havaianas

21 de setembro de 2009 | Sem comentários Entrevistas Mais Café
Por: 20/09/2009 23:09:28 - Correio Popular


Renan Magalhães
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
renan.santos@rac.com.br


Antes de a executiva Angela Hirata assumir o Departamento de Comércio Exterior da Alpargatas, as sandálias Havaianas eram um produto popular e de pouca expressão no mercado de calçados. Mas a administradora viu um potencial na marca que ninguém mais via ou até mesmo acreditava. E mesmo diante de certa resistência, resolveu bancar aquilo que acreditava. O resultado muita gente já conhece: as sandálias se tornaram um dos principais símbolos do Brasil mundo afora, calçando os pés dos astros hollywoodianos e se tornando artigo de luxo com direito até a modelo decorado com cristais Swarovski.


A marca se consolida cada vez mais no cenário internacional. Está presente em mais de cem países, tem 2 mil postos de venda apenas nos Estados Unidos e vendeu 200 milhões de pares em 2008. E tudo isso aconteceu em menos de uma década desde o início da implantação da estratégia.


Atualmente, Angela também se dedica à Suriana Trading, empresa facilitadora de negócios da qual é sócia-proprietária. E ainda sobra tempo para uma administrar a Amazon Life, da qual também é sócia-proprietária, marca afinada com projetos ecossustentáveis na Amazônia.


Entre uma viagem de negócios e outra, a administradora esteve na última semana em Campinas, para uma palestra na Casa Cor, e recebeu a reportagem do Correio Popular para uma entrevista. Confira os principais trechos a seguir.


Correio Popular — Como foi a sua trajetória profissional antes de chegar às Alpargatas?


Angela Hirata — Foi uma grande novela. Meu primeiro emprego foi no Diners Club, como auxiliar de administração. Fiquei sete anos na empresa e depois fui para a Levi’s, de calças jeans, quando estava abrindo a franquia no Brasil. Foi quando comecei a atuar na área de marketing, uma área que ninguém conhecia muito bem, em meados da década de 80. Todo mundo confundia com propaganda, e na verdade é uma visão muito maior de mercado. Busquei me aprofundar nesses conceitos e me identifiquei bastante com a área.


Isso foi determinante para a sua carreira?


Foi. Tive a oportunidade de conhecer outros países pela primeira vez na carreira. Um dos destinos mais frequentes, obviamente, era os Estados Unidos. E lá me deparei com o café colombiano, que ficou conhecido como o melhor café do mundo. Isso me chamou a atenção e fiquei um tanto revoltada, afinal, o Brasil é o maior produtor de café. Meu pai, inclusive, tinha plantação na época. Achei que havia algo de errado com isso e fui pesquisar por que nosso café não era o melhor do mundo. Verifiquei uma série de interesses políticos, que nós vendíamos o café como commodity e não como produto de valor agregado. Isso ficou muito marcado na minha cabeça. Não me conformava com o fato de que nós exportávamos apenas produtos sem valor, sem nome e sem identidade e depois comprando de volta praticamente o mesmo com uma marca internacional.


Foi uma experiência intrigante?


Passou a ser uma meta para mim atuar no sentido de valorizar o produto brasileiro. Não é uma tarefa fácil. Em qualquer oportunidade que eu tinha de estar fora do País, eu procurava pesquisar e entender mais sobre comércio internacional. Não existia faculdade de comércio internacional na época. Mesmo assim, procurei entender como era o processo de exportação e como fazer para exportar. Me deparei com muita burocracia que havia. Um bloco grande de guias que precisava ser preenchido. Cada vez mais inteirada sobre marketing mercadológico, fui procurada por empresas para dar consultoria nessa área. Comecei a atuar como consultora, deixando de ser funcionária para ter uma empresa de comunicação e marketing própria. Para se ter uma ideia, meu trabalho no O Boticário começou quando tinha sete, oito lojas. Parei quando já eram mais de mil unidades e não tinha mais condição de acompanhar. Para a Hering, também fiz um trabalho bem interessante. Trabalhei ao lado da Columbia Pictures num período em que o cinema lutava contra a decadência em razão do videocassete. Com isso, conseguimos encontrar novas maneiras de melhorar a divulgação dos filmes.


Depois você atuou na Azaléia, certo?


Isso. Recebi convite da Azaléia, para presidir uma das empresas do grupo. Eu aceitei e fui dirigir uma nova empresa de comércio internacional da qual a Azaléia era a sócio-majoritária junto com uma empresa japonesa. Eram cerca de 300 funcionários, no Rio Grande do Sul, onde fiquei de 1990 a 1997. A proposta era posicionar a marca Azaléia no mercado internacional, só que na época os valores eram muito diferentes e havia a concorrência com outros produtos. Nós não tínhamos fôlego suficiente para encarar uma disputa no mercado externo. Então, eu comecei a fazer o contrário, a trazer marcas internacionais para cá, como a Gap, a Banana Republic, entre outras, para produzir no Brasil. Queríamos mostrar aos empresário que nós sabíamos fazer com qualidade e até melhor para atender essas marcas.


A proposta se inverteu, então?


A Azaléia criou essa empresa para levar produto Azaléia, mas acabou vendendo-a como produto massivo e eu não quis também cuidar, o meu interesse era valorizar a marca, fazer com que o produto tivesse o valor percebido. Como não havia isso, eu fui fazer o contrário: busquei clientes que tinham interesse em produzir no Brasil. Foi importante para mostrar e para aprender a fazer o melhor trabalho. Como eu tinha a ambição de internacionalizar um produto brasileiro, optei por sair da empresa em 1997. Foi uma rescisão pacífica, sem nenhum melindre. Eu voltei para São Paulo e recebi convite da Philips do Brasil para dirigir a área de marketing em telefonia celular. Não quis assumir a direção, mas fiquei como consultora até 99. Veio então o convite da Alpargatas, para assumir a direção do comércio internacional e internacionalizar os produtos da empresa. Foi uma negociação de quase seis meses, até que eles entendessem o que significa esse processo.


E depois de tanto tempo, acabaram acertando?


Sim. Na época, o presidente era o Fernando Tigre, que me apresentou um portfólio de produtos da marca, como Topper, Rainha, Havaianas, Samoa entre outros. E eu escolhi a Havaianas. Primeiro porque julguei ser um produto que tem a cara do Brasil. Outro ponto importante que consegui enxergar era de que não havia nenhuma marca de sandália de dedo no mercado internacional. Havia algumas marcas que faziam parte de uma gama de produtos de surfwear. Eu vi que havia um nicho de mercado. Eu não deixei de olhar para outros produtos, mas meu foco foi na Havaianas.


Houve uma resistência à escolha?


Era um produto muito massificado. Questionavam: “Qual a garantia que você dá de que a Havaianas vai ser um produto de sucesso no mercado internacional?” Eu disse que minha estratégia seria colocada em prática a partir de 1 de janeiro de 2001, e que até o final do ano eu e minha equipe iríamos dar resultado em azul. Eles não acreditavam que valeria a pena investir em um produto tão simples. Mas quando eu disse isso, tive carta branca para agir. Tinha um grande objetivo e com um prazo muito apertado.


Foi uma proposta ousada?


O primeiro passo dado pela equipe para conquistar o objetivo foi buscar um faturamento para sustentar a divisão. Procuramos conhecer os países com perfil de consumo parecido com o do Brasil e saímos vendendo massivamente as sandálias para Colômbia, Venezuela, Equador, Costa Rica, México, República Dominicana, Porto Rico… A América Latina, de uma maneira geral. Com isso teríamos um faturamento azul e paralelamente fomos trabalhando o mercado onde realmente queríamos posicionar a marca, como França, Itália e Inglaterra.


Como foi isso?


Conseguimos uma entrevista bastante interessante com a Galeria Lafayette (prédio de Paris onde estão diversas lojas repletas de produtos sofisticados), em maio de 2001. E assim conseguimos um espaço, depois de um intenso trabalho de persuasão. Queríamos que eles vissem um produto diferente além da borracha expandida, algo feito com as cores brasileiras, e muitos outros argumentos para mostrar que nosso produto era diferente e que falava sobre a brasilidade. Conseguimos um espaço no sexto andar para expor nosso produto e, felizmente, estava chegando a primavera, época muito celebrada na Europa. Mas expor por expor não agregaria nada, já que ninguém conhecia a Havaianas. Então nós criamos um evento para inteirar o consumidor por meio da customização de tiras. Isso também ajudou muito. Na época, a galeria queria dar um par de sandálias como brinde para o consumidor deles e eu disse que não. Porque brinde não tem valor. Brinde você ganha e usa, ou dá para alguém, ou esquece. Resolveram vender por 30 francos, mas eu bati o pé e consegui subir para 35 francos. Eles não ficaram muito confiantes, mas eu percebi que se fosse um brinde, o produto não chamaria tanta atenção. Agora se você está pagando, você se interessa mais sobre o que se trata, de onde vem, do que é feito o produto.


Tudo isso de acordo com essa ideia de vender um produto de valor agregado, não?


Isso. No primeiro dia da inauguração estava frio e nevando muito. E todos ficamos receosos de que não fosse engrenar. Mas, como dizem, no Inverno as pessoas têm tendência a ficar deprimidas e a comprar mais. E o espaço da Havaianas começou a fazer fila. Vendemos 80 pares no primeiro dia. Até o final do Festival de Primavera a média de vendas foi de 150 pares por dia. Foi assim que conquistei a credibilidade e o respeito. Daí para diante, não foi fácil, mas já tínhamos algum reconhecimento e fomos conquistando novos espaços em outras exposições importantes. Naquele ano de 2001, não consegui entrar em nenhuma das lojas de renome, mas triplicamos o faturamento em exportação e, em seguida, já conseguimos penetrar nos melhores pontos de venda, dentro dos países formadores de opinião.


Como a marca está hoje?


Hoje já estamos em mais de cem países. Em 2007, abrimos a filial Havaianas em Nova York. No ano passado inauguramos na Espanha, em Madri. E agora estamos pensando em abrir também um espaço na Ásia. Mas todo esse tipo de trabalho exige um entendimento da cultura de cada país, com representantes locais para definirmos como a marca vai chegar. Temos ações de eventos e promoções padronizadas e que são adaptadas para cada país.


O reconhecimento do nome do Brasil no Exterior também favorece ao desempenho de uma marca tão associada à brasilidade?


No começo não era tanto assim. Era basicamente futebol. Então a confiança era menor em relação à qualidade. Depois começou a ter mais respeitabilidade. Mas sempre apostamos num produto originalmente brasileiro.


A crise econômica afetou o desempenho das vendas?


Não. A Alpargatas é uma empresa de capital aberto, e qualquer um pode conferir nosso desempenho por meio do site. Não houve queda nas vendas em função da crise. Muito pelo contrário: a empresa continuou crescendo muito e as Havaianas também. O grande segredo é saber posicionar a marca, porque sem a marca não tem marketing, e fazer com que o produto seja sempre um objeto de desejo. É importante visitar sempre o cliente, garantir que o produto esteja bem exposto.


Outras marcas da Alpargatas também podem ser internacionalizadas assim como a Havaianas?


Já está acontecendo com a Topper, por exemplo. Até o final do mês eu viajo para a Ásia por conta disso. É um mercado em que a marca já está presente, mas que precisa ser melhor trabalhada. A Topper é originalmente uma marca da Alpargatas Argentina e como nós a compramos vamos agora trabalhar esse novo mercado.


Em paralelo ao trabalho na Alpargatas, você também tem um trabalho mais ligado à sustentabilidade, certo?


É um trabalho para tentar que a gente consiga manter as florestas em pé. Isso não é apenas algo que envolva ambientalismo, tem que ter economia, caso contrário só fica em discurso. Esse trabalho que estamos fazendo há algum tempo começou quando entrei em contato com uma marca chamada Amazon Life, que estava na mão de pessoas muito mais ligadas aos conceitos sustentáveis, mas que não tinham muita habilidade com o business. Era um trabalho incrível, mas marca estava prestes a desaparecer por uma série de problemas. Um italiano, que na época era presidente da TIM (empresa de telefonia móvel), conheceu a Amazon Life, achou a marca fantástica, comprou e nos procurou para eu me associar a ele. Eu queria fazer alguma coisa nessa direção e me tornei sócia de 20% da marca. Não existe muito apelo para você levar um produto desses ao mercado externo, algo feito por seringueiros. Por isso, é preciso um produto desejado. Nós buscamos uma produção mais diferenciada, com detalhes e resolvemos durante cinco anos licenciar para uma empresa italiana e eles estão vendendo a marca no mercado externo por conta disso. Estamos tentando nos preocupar com a floresta, não só com a Amazônia, mas com a Mata Atlântica, o Pantanal e também com a comunidade indígena. Tem muita coisa a fazer, mas não é nada complicado. Não devemos só doar coisas para os índios e torná-los dependentes da nossa ajuda. Tem que ter cuidado com saúde, educação e resgate da cultura deles.


Essa é uma preocupação que deve ser cada vez mais constante entre as empresas hoje?


Sim. É difícil você chegar numa comunidade indígena, nas populações mais pobres, que estão esperando que alguém dê a mão para eles. Mas não é só assim que funciona. Você tem que dar uma ferramenta para que eles façam um produto que tenha valor de mercado. Toda cadeia produtiva tem que ter um bom bem.


E você pretende se dedicar agora com mais ênfase a essa área de atuação?


Gostaria, desde que a Alpargatas deixe. Mas é gostoso. São muitas empresas que estão junto com a gente se engajando nesse movimento que ainda está em fase inicial, mas que é importante para que a gente consiga resultados e, consequentemente. credibilidade.


A FRASE


“É importante visitar sempre o cliente, garantir que o produto esteja bem exposto”


ANGELA HIRATA
Executiva da Alpargatas
 

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