Desafio da Starbucks é crescer sem perder `a alma´

Publicação: 04/04/07

4 de abril de 2007 | Sem comentários Cafeteria Consumo
Por: VALOR ECONÔMICO

A rede de cafés Starbucks, dos Estados Unidos, lança nesta semana duas bebidas: Dulce de Leche Latte e Dulce de Leche Frappuccino. O Grande Latte com cerca de 450 gramas, trará robustas 440 calorias (quase o mesmo que dois pacotes de doces M&M´s) e custará cerca de US$ 4,50 na cidade de Nova York, mais ou menos o triplo do que o café especial mais caro do McDonald´s.


A Starbucks descreve as duas criações, que levaram 18 meses para serem aperfeiçoadas, da seguinte forma: “com cobertura de creme batido e uma camada de caramelo granulado, a versão da Starbucks para esta tradicional iguaria é um deleite de sabor suntuoso”.


Nas próximas semanas, se você se vir na Starbucks deixando um Dulce de Leche Latte deslizar pelas suas células gustativas, poderá se perguntar como se desenvolve uma bebida desse tipo.


É uma história que vale a pena conhecer. No lado superficial, é um relato sobre como a máquina de marketing da Starbucks vende o romantismo do café para milhões de pessoas em todo o mundo. No mais profundo, é uma história sobre como a empresa, ao lado de seu messiânico líder, luta para manter-se fiel a sua alma.


Pergunte ao seu presidente, Howard Schultz, qual a chave do sucesso da Starbucks e ele lhe dirá que é tudo uma questão de histórias. A Starbucks é centrada em duas histórias, já repetidas diversas vezes: a viagem de Schultz a Seattle em 1981, quando experimentou pela primeira vez os cafés especiais, e a viagem de 1983 a Milão, quando descobriu a cultura das cafeterias de expressos. Essas viagens não são só referências úteis para recrutas na rede de cafeterias, mas mostram a história original de marketing de uma empresa que se orgulha em proporcionar a seus clientes uma verdadeira experiência por meio da bebida. “O ponto comum para o sucesso dessas histórias e da própria empresa”, diz Schultz, “é que elas têm de ser verdadeiras, autênticas”.


Apenas histórias, no entanto, não são suficientes para alimentar a outra obsessão da Starbucks: crescer muito, mas realmente muito. Até 2012, Schultz espera quase triplicar as vendas anuais, para US$ 23,3 bilhões. A empresa também pretende passar das 13,5 mil lojas atuais para 40 mil em todo o mundo até não muito depois de 2012.


Para atingir suas metas de lucro, a Starbucks tornou-se especialista em algo que, decididamente, não é nada romântico: dinamizar as operações. Nos últimos dez anos, a empresa redesenhou o espaço atrás dos mostradores para melhorar a eficiência dos baristas. As máquinas automáticas de expresso reduziram o tempo necessário para preparar um café. O produto ainda em pó é selado a vácuo, o que facilita o transporte em longas distâncias. Some tudo isso e você terá uma experiência que não lembra em nada os mostradores revestidos de madeira da primeira loja da rede em Pike Place Market, em Seattle, ou os cafés italianos.


Em algum ponto no meio do caminho, essa desconexão começou a deixar Schultz incomodado. Mais recentemente, o descontentamento manifestou-se em uma nota que ele escreveu aos diretores. O memorando, que vazou na internet, refere-se a o que ele vê como o grande dilema da empresa: “tivemos de tomar uma série de decisões”, escreveu Schultz. “Isso, em retrospectiva, levou a uma diluição da experiência Starbucks, que alguns poderiam chamar de ´commoditização´ da marca”.


Agora, Schultz pede a seus auxiliares para redobrarem os esforços para voltar às raízes. “Estamos constantemente – não quero dizer ´batalhando´… Mas não queremos ser como aquelas grandes empresas, que são corporativas e escorregadias”, diz Michelle Gass, vice-presidente sênior da Starbucks. “Ainda nos vemos como uma pequena empresa empreendedora.”


É uma tarefa complicada, quando se tem 150 mil funcionários em 39 países. Manter vivo esse “joie de vivre” pela experiência de se tomar um café dentro da Starbucks é crucial para toda a filosofia de Schultz. Quem melhor para vender algo do que alguém que verdadeiramente acredita no que vende?


Em 2004, a Starbucks lançou para seus funcionários um programa chamado Coffee Master, o mestre em cafés. Um tipo de curso que ensina os profissionais a diferenciar as sutilezas regionais de sabor. Os formados, atualmente 25 mil, ganham um avental especial, preto, e uma insígnia em seus cartões de negócios. O ponto alto é a “cerimônia da xícara”, um ritual de degustação tradicionalmente realizado pelos comerciantes de café. Depois que o produto passa por água fervente, os degustadores penetram o creme da parte superior da bebida com uma colher e inalam o aroma. Enquanto os funcionários sorvem a bebida, um especialista da Starbucks os encoraja a também provar os tons cítricos de um café queniano e o sabor de cogumelos de um grão da Sumatra, na Indonésia.


Caso o ritual lhe lembre uma degustação de vinhos, essa é a intenção. Schultz há muito tenta imitar o negócio de vinhos. Os produtores da bebida, afinal, conseguem preços maiores ao focar-se na proveniência: a região de origem, o vinhedo e, é claro, a uva que dá ao vinho seus sabores particulares. Ou seja, focando-se na história do vinho. Levar a individualidade do vinho para o café ajudaria a elevar o padrão do mercado e facilitaria a venda de grãos especiais pela Starbucks.


——————————————————————————– Até 2012, o objetivo é aumentar o faturamento anual para US$ 23,3 bi e passar de 13,5 mil para 40 mil lojas no mundo ——————————————————————————–


O pessoal de marketing e desenvolvimento de produtos chama a estratégia de “Geografia é Sabor”. Em 2005, começaram a vender essa nova história. A empresa reorganizou o menu, agrupando os cafés geograficamente e não mais com termos como “suave” ou “forte”. Substituiu as embalagens coloridas por brancas, com bandeiras coloridas dos países da região de origem do café. Posteriormente, para os apreciadores dispostos a pagar US$ 28 por libra-peso (0,45 quilo), a Starbucks lançou os grãos de origem única, chamados “Black Apron Exclusives” (algo como “exclusivos de avental preto”).


O próximo passo foi alcançar as massas que compram a bebida nas lojas. A equipe gerencial decidiu lançar uma série de promoções, cada uma com um conjunto de bebidas, para transmitir aos clientes as peculiaridades regionais. A primeira promoção destaca a América Central e a América do Sul, regiões onde a Starbucks compra mais de 70% de seus grãos.


É difícil extrair o tipo de autenticidade que Schultz tanto gosta de falar quando se é do tamanho da Starbucks. Contar uma história para uma audiência de massa às vezes requer suavizar os inconvenientes das nuances culturais. Mais do que isso, o pessoal do marketing precisa trabalhar rapidamente para ficar atualizado com as tendências do mercado e ficar à frente de rivais como as redes Dunkin´Donuts e McDonald´s.


Há um ano, dez profissionais da Starbucks foram de avião à Costa Rica em busca de inspiração. “Foi para poder dizer: aqui está como e por que esta (bebida) é feita”, diz Angie McKenzie, que comanda os projetos de novos produtos. “Não porque alguém nos disse ou porque lemos em algum lugar.” O grupo passou dez dias na Costa Rica, viajando em uma minivan. Depois, um grupo menor foi à Cidade do México e a Oaxaca.


A missão era encontrar produtos que evocassem uma vibração autêntica da região nos Estados Unidos. É mais complicado do que parece. Philip Clark, executivo de merchandising, queria vender umas canecas típicas da Costa Rica. As que eram específicas para beber café, no entanto, eram opacas e marrons; não teriam procura nas prateleiras. Além disso, quebravam facilmente. Então, ele encontrou Cecilia de Figueres, que pintava à mão canecas de cerâmica em um estúdio a uma hora da capital, San José. A artista dava preferência a temas florais claros; seriam facilmente vendidas. A Starbucks pagou um valor fixo à artista. Cada caneca terá uma etiqueta com seu nome e retrato; no fundo terá a inscrição “Made in China”.


A Starbucks entrelaçará outros artesãos e costa-riquenhos na promoção. O pintor Eloy Zuñiga Guevara aparecerá em um pôster com um tecido de estética latina. Se os clientes quiserem levar um pouco de “autenticidade” para casa poderão comprar algumas das cinco pinturas de agricultores costa-riquenhos feitas por Guevara para a Starbucks, por US$ 25 a unidade. Um segundo pôster mostrará cafeicultores costa-riquenhos de quem a Starbucks compra grãos. Um terceiro mostrará uma mulher idosa (uma modelo paga, de Seattle) preparando doce de leite em um fogão a gás. Cada um dos pôsteres trará os dizeres “Eu sou Starbucks”.


Preparada a história, a Starbucks precisava de algo que dissesse “América Latina”. Reuniões para apresentar idéias sobre bebidas normalmente ocorrem no Liquid Lab, um espaço arejado, pintado com os matizes familiares da Starbucks, verde, azul e laranja. A sala tem imensos quadros mostrando as tendências mais recentes sobre as bebidas. No caso, não era necessário ser antropólogo para perceber qual bebida a Starbucks deveria usar para promover sua temática latino-americana.


O doce de leite é uma sobremesa apreciada em grande parte da região. A Häagen-Dazs lançou o sorvete de doce de leite em 1998 e a Starbucks fez o mesmo em 1999. Os clientes nos Estados Unidos, portanto, estão acostumados com o gosto, diz McKenzie, que “ainda assim traz uma agradável sensação exótica”. Além disso, acrescenta, leite e caramelo combinam perfeitamente com café.


Ainda assim, elaborar uma bebida nunca é algo simples na Starbucks. O departamento de pesquisa e desenvolvimento normalmente avalia 70 projetos por ano, sendo que apenas oito resultam em novas bebidas. Os novos produtos não devem apenas ser atraentes para uma ampla faixa de consumidores, mas também devem poder ser preparados rapidamente pelos baristas, para maximizar as vendas por loja (aí está o lado Wall Street). “A loja (…) é um pouco como uma fábrica”, diz Gass, mas ainda assim deve dar a impressão de que a bebida está sendo preparada artesanalmente para o cliente (aí está o lado Howard Schultz).


A criação do Dulce de Leche Latte e do Frappuccino recaiu sob as mãos de Debbie Ismon, uma elaboradora de bebidas formada em ciências dos alimentos, que trabalha na Starbucks há dois anos e meio. No fim de junho de 2006, a equipe de projetos enviou-lhe uma pequena amostra que achava ter os sabores adequados, além de uma descrição por escrito das características que esperavam. Nos quatro meses seguintes, Ismon remexeu várias proporções de caramelo e leite, com diferentes “tons” de doçura. Depois que o grupo de projetos decidiu quais versões possuíam um sabor mais ligado ao “conceito”, Ismon separou três para o grande teste de degustação. Cerca de cem funcionários do Starbucks provaram as bebidas e as classificaram em computadores. O processo foi repetido mais duas vezes para cada bebida. Por fim, 18 meses depois de iniciado o processo, a Starbucks tinha suas duas novas bebidas especiais.


Se produtos anteriores, como o Caramel Macchiato, servirem de referência, os cafés Dulce de Leche venderão muito bem. Isso agradaria Wall Street e talvez até ajudasse a impulsionar as ações, que caíram 20% desde o pico atingido em maio de 2006, em meio ao declínio nas margens de lucro e o temor de que a Starbucks não atinja suas ambiciosas metas de crescimento.


Enquanto esperar por seu Dulce de Leche Latte, você poderá se perguntar: “estou pagando US$ 4,50 por uma dose de cafeína com cobertura de caramelo?” Ou será que você simplesmente foi encantado pelas mágicas histórias de Howard Schultz?

(Tradução de Sabino Ahumada)
 

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